ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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3.5– ESTADOS E NAÇÕES

Consideram-se estados, as sociedades organizadas com coerção institucionalizada, ou seja, dotadas duma força que emana da soberania do Estado e que é capaz de impor o respeito às normas legais, usos e costumes. Caracteriza-se por deter um território claramente delimitado, uma população básica estável e um governo. Poderá ainda dispor dum exército permanente, dum corpo jurídico e diplomático. O estado surge como um desenrolar natural da cooperação entre as populações para providenciar a satisfação de interesses comuns, necessidade de proteger a comunidade. A transição para um estado deveu-se também a vários factores de natureza económica: a fertilidade agrícola da terra, a produtividade que permitia a produção de excedentes, a intensificação do aproveitamento dos recursos naturais, florestas, minérios de ferro, a utilização de sistemas de transportes como vias comerciais, a recolha de tributos ou impostos, a acumulação de riqueza, a expansão do comércio.

A nação é um conjunto estável de grupos humanos unidos por comunidades de língua, ligados por uma vida económica comum, pela unidade do território que ocupam, por algumas particularidades da psicologia social assente nos traços específicos da cultura do povo correspondente, que a distinguem da cultura dos demais povos. As nações nascem como resultado da união, da mistura e da fusão, de diferentes etnias ou tribos, baseadas no parentesco genuíno ou assumido. Em diversas regiões verificou-se uma fusão de povos e culturas locais ou territoriais assente no controlo duma área determinada. Foi essencialmente como resultado destas fusões que as nacionalidades se foram formando, criando condições favoráveis ao aparecimento de sínteses culturais que, em muitos casos, transcenderam antagonismos passados. A nação desempenhou um importante papel na remoção do fraccionamento político. A formação de nações ajudou a ultrapassar o poder dos feudos, das tribos, das cidades-estado, das regiões, províncias ou outras divisões administrativas. A nação desempenhou um papel relevante no domínio económico. O progresso da indústria, do comércio e das relações sociais amorteceram as diferenças e as influências difíceis de abalar.

Por vezes, um povo era, ou pretendia ser, puro do ponto de vista étnico e assim constituir-se facilmente como um estado coerente. As origens históricas ou as tradições culturais comuns exerciam uma tão forte influência que povos diferentes se sentiam unidos e seguiam um mesmo destino. O processo de formação de estados nacionais, isto é, de estados centrados sobre grupos linguísticos mais ou menos unificados, sobre uma população semelhante do ponto de vista cultural ou sobre povos que, embora diferentes, desfrutam duma situação geográfica e interesses idênticos relacionados com o comércio e a defesa, intensificou-se com o desenvolvimento do sistema capitalista.

A realidade histórica revela que nem sempre existe coincidência entre estados e nações. Um estado pode albergar várias nações no seu espaço territorial ou uma nação pode dispersar-se por vários estados. Por razões étnicas, raciais, religiosas ou culturais surgem nações sem território, com povos espalhados por um ou mais estados, mas que mantêm um sentimento histórico de legitimação.

O Egipto consistia numa faixa de território habitada e extremamente estreita ao longo do Nilo, sem fronteiras naturais, sendo o rio, a correr em todo o comprimento, o elemento de unificação sob um único poder. No IV milénio a.n.e., operaram-se grandes mudanças que tiveram uma importância considerável: o estabelecimento duma sociedade hierárquica, a consolidação do Estado, a adopção duma cultura única, a urbanização. Surgiu assim um único poder reinante.

Na Mesopotâmea, as condições naturais criaram as fronteiras naturais dos primeiros estados e determinaram a sua existência longamente independente. Algumas cidades-estado reuniram-se sob as mesmas regras e estabeleceram estados territoriais que chegaram a ocupar uma determinada região étnica e cultural.

Na Grécia, I milénio a.n.e., assinala-se a tendência para a inclusão das cidades em estruturas mais abrangentes que os limites da comunidade citadina e o estabelecimento duma aliança entre várias cidades, tipo federal. Os gregos começaram gradualmente a sentir-se um único povo, diferente dos outros povos. No século III a.n.e., adoptaram uma nova forma de organização política, uma forma monárquica de poder estatal dispondo dum exército permanente e duma administração centralizada, passando a depender do rei a área das terras atribuídas à Pólis e a concessão de privilégios económicos e políticos. As actividades dos órgãos de auto-administração eram controladas por funcionários do rei. O poder real adquiriu o necessário suporte para dominar a administração e o exército.

Na Índia, meados do I milénio a.n.e., a transição das sociedades tribais para reinos e outros sistemas de Estado foi o resultado de muitas alterações, trazendo consigo problemas relacionados com a centralização do poder, o aumento da riqueza e dos recursos através dum sistema de tributos, o uso da coacção no controlo dos súbditos, a ambição dos governantes de alcançar um controlo político mais vasto, bem como a noção de coincidência de estados e de fronteiras territoriais.

Na Europa, no século VII, os povos do norte e ocidente estavam ainda no seu estado formativo, a emergir das migrações entretanto ocorridas. Esta evolução só se estabilizou passados cerca de três séculos, com a formação de nações herdeiras das estruturas feudais, no seio das quais se faz sentir cada vez mais o peso da classe burguesa associada ao poder local e dividida em burguesia mercantil e burguesia de Estado.

Na África Ocidental, existiam sociedades em que as condições geoeconómicas favoráveis permitiram acumular reservas e manter categorias sociais especializadas em certas tarefas. Constituíram-se assim sociedades estatais graças a uma dialéctica de progresso interno e também de intervenção de minorias vindas do exterior. Estas sociedades estatais apresentavam estratos sociais de condições variadas. Com o estímulo do tráfego transariano, estas sociedades transformaram-se em fortes estados centralizados.

Na África ao Sul do Sara, surgem reinos cuja extensão é mal definida. Porém, o espaço geográfico e político era conhecido com bastante precisão pela presença duma montanha, dum rio, dum lago ou duma floresta. A base não era puramente tribal, pois os povos eram identificados pelo grupo étnico que constitua o seu núcleo central. A partir do I milénio d.C. as populações organizavam-se em estados, alguns dos quais chegavam a abarcar vastos territórios. As correntes migratórias e a consequente distribuição das populações conduziram à fundação e expansão de diversos reinos.

Na África Central, nos séculos XIV e seguintes estabeleceram-se vários reinos, entre eles, o do Congo. Várias etnias foram aglutinadas na região do Zimbabué. O primeiro estado teria sido estabelecido antes de 1450, começando a grande expansão do sistema político na África Central, formado pelo império Lunda, cuja cultura sobreviveu à colonização. No século XVI, alguns estados, numerosos e pequenos começaram a ser formados através da união de vários clãs vizinhos de língua banto. Estes estados eram governados por um “ntemi” assistido por um grupo de anciãos.

Na Meso-América, I milénio a.n.e., surgiram verdadeiros estados em muitas regiões. Os maiores e mais centralizados encontravam-se nas terras altas semiáridas onde as economias urbanas se situavam e o controlo da água estava presente. Ao lado da organização baseada no parentesco e na linhagem, existiam instituições políticas que davam aos chefes maias uma riqueza, prestígio e poder muito maiores que os da maioria dos chefes de tribo. Na planície existia uma hierarquia única em que os chefes desempenhavam simultaneamente o papel de sacerdotes e governantes.